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Sara viu a morte, superou uma relação abusiva e perdeu quase 30 quilos

A barreirense dedica-se a ajudar os outros e está perto de realizar um sonho antigo. "Perdi a fé, mas tenho esperança", confessa.
Um percurso inspirador.

Falar sobre Sara Gouveia Ramalho é contar uma história sobre amor-próprio, superação, saúde mental, maternidade a solo e muita vontade de comunicar. A verdade é que a sua trajetória pessoal – marcada por uma luta silenciosa com o peso, por uma relação abusiva que deixou para trás e pela força com que se tem reinventado – inspira quem a acompanha.

Aos 33 anos, não se considera uma influencer, não é coach (apesar de querer formar-se na área) e muito menos especialista em relacionamentos. Ainda assim, tem vindo a construir uma comunidade nas redes sociais, onde partilha vídeos e desabafos de forma espontânea. Apesar de não ter formação académica nesta área, são muitas as pessoas que a procuram em busca de conselhos amorosos e palavras de motivação — e foi assim que chegou à televisão.

“Fui ao Em Família, na TVI, um dia depois do Dia dos Namorados. Na altura, a produção explicou-me que andavam a acompanhar o meu perfil no Instagram durante um mês e decidiram convidar-me para dar conselhos amorosos. Sou solteira há quatro anos, mas fui falar sobre amor-próprio e aquilo que aceito ou não para o meu futuro”, conta à NiB.

Sara no programa “Em Família”, da TVI.

A aventura nas redes sociais — que lhe rendeu algumas parcerias com marcas — começou na altura em que partilhava o dia a dia em Inglaterra, onde viveu cinco anos. “Mudei-me para lá em 2013, em busca de uma vida melhor, e partilhava alguns produtos que encontrava no país. Nem sequer sabia falar inglês, mas entreguei alguns currículos e fui contratada, em outubro, por uma empresa onde organizava festas de aniversário. Os responsáveis explicaram-me que precisavam de mim até ao Natal mas, se gostassem do meu trabalho, ficava efetiva. E foi isso que aconteceu”. 

Ainda em terras de Sua Majestade, Sara teve um filho— hoje com sete anos — fruto de uma relação abusiva. “Estivemos juntos durante dez anos, mas ele e a família queriam que abortasse. Fui traída e sofri muita violência psicológica e física. Já perto do fim da relação, ainda em Inglaterra, deu-me um pontapé na perna quando tinha o meu filho ao colo. Foi nesse momento que decidi terminar tudo e voltar para Portugal, para que o meu filho pudesse crescer rodeado do amor dos avós”.

Apesar da decisão, acabou por voltar a ceder ao ex-companheiro, já em Portugal. “Ele pediu-me uma última oportunidade, não para ficar comigo, mas porque não tinha onde ficar. E pensei: ‘um dia, o meu filho pode cobrar-me por não ter ajudado o pai”. Uma decisão que acabou por trazer comportamentos abusivos. 

“Os meus pais convidaram-no para passar o Natal connosco, porque as pessoas à nossa volta não sabiam o que se passava. Na madrugada de Natal, tentou agredir-me e, nesse momento, o meu filho chegou à sala e disse ‘larga a mamã’. Acho que se assustou ao ouvir o menino e largou-me. A partir daí, tudo mudou. Percebi que o meu filho precisava de uma família saudável e não voltei a ceder”.

Aos poucos, começou a reconstruir-se e ao recordar esses tempos revela: “Tinha muita vergonha de contar o que aconteceu. Sempre disse que nunca estaria numa situação dessas e acabou por acontecer. Tive a sorte de perceber que aquilo não era para mim e ganhei muita coragem e força mental. Embora seja muito envergonhada, acredito que, se não fizermos por nós e se não mostrarmos que conseguimos, mais ninguém terá essa motivação. Hoje, coloco-me em primeiro lugar”.

Ao mesmo tempo que teve de lidar com a relação abusiva, Sara tentava superar outro problema: o excesso de peso após um “parto que correu muito mal. O meu filho, John, teve de ser reanimado, assim que nasceu. E descobri recentemente que eu própria estive em óbito. Foi um milagre”. Quatro meses depois, começou a nova luta. “Enquanto estive grávida, engordei apenas nove quilos, mas fui obrigada pelo Estado inglês a colocar um implante, que faz parte dos registos da taxa de natalidade do país e foi isso que me engordou. Cheguei a pesar 102 quilos, mas hoje estou nos 79”.

Apesar das oscilações de peso, a luta tornou-se mais fácil. “Embora não goste de ver algumas coisas em mim, já aceitei”. A prática de exercício físico — que era regular no passado enquanto jogadora de futebol — foi uma grande ajuda. “O facto de ter começado a correr foi muito importante, porque traz liberdade a nível psicológico. Nunca pensei voltar a correr”. Entretanto, participou numa prova com várias corridas e afirma: “Eu própria não sei como é que o fiz”, mas já tem outra agendada para 14 de junho.

Sara numa das provas de corrida.

Ao longo deste percurso, o que mais a tem emocionado são as mensagens que recebe. “São muitas pessoas, não estava à espera. Dizem-me que se motivam com o que faço, que voltaram a ir ao ginásio e que, se eu consigo, elas também conseguem”.

A vida profissional também foi ganhando novos contornos. “Comecei a trabalhar num contact center e fui subindo na hierarquia. Hoje dou formaçãoe sou supervisora numa seguradora. Adoro gerir e ajudar pessoas”. Ainda assim, os seguros não são a sua área de sonho. Esse lugar continua a pertencer à comunicação — e também esse caminho começa a ser, cada vez mais, uma certeza. “Fui convidada pela Câmara Municipal do Barreiro para ser a mandatária da comunicação nas eleições. Vou ajudar o presidente Frederico Rosa”, revela, acrescentando: “É isso que quero. Não se trata dos holofotes, mas de conseguir ajudar o próximo e poder passar algum legado, algum testemunho”. 

Outra prática que Sara adotou foi criar, todos os anos, uma lista de objetivos pessoais. Este ano tem o título ’34 coisas para fazer antes dos 34 anos’. “Mesmo que sejam pequenas conquistas, eu faço questão de adicioná-las à lista”, conta Sara.

Quanto ao amor, a porta não está fechada. “Perdi a fé, mas tenho esperança. Acredito que existe um amor para sempre, mesmo que, às vezes, não tenha de ser vividos por nós. Porque há sempre condicionantes. Mas acredito que a minha pessoa ainda vai chegar. Uma pessoa que mereça e que me mereça, sempre com base no  respeito, — que me faltou anteriormente. Pode demorar, mas sempre ouvi dizer que, quando for a pessoa certa, vamos entender. E quero muito isso: uma família, alguém que me compreenda, que me possa ouvir no meu silêncio. E, se essa pessoa não chegar, também está tudo bem, porque aprendi a estar comigo, aprendi a gostar de mim”, conclui.

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