Os vestígios de dois antigos armazéns, na margem sul do Tejo, foram o ponto de partida para um “novo santuário urbano”. Ao unir os edifícios industriais, a missão era adaptar os traços arquitetónicos do século XX ao design contemporâneo, mantendo algum do seu charme. Para isso, preservaram ao máximo as paredes cegas.
A maioria daqueles que se deparam com as fotografias da moradia familiar, no Barreiro (no distrito de Setúbal), duvidam da existência da propriedade — muitos pensam que se tratam de imagens renderizadas. Na realidade, trata-se de um projeto de arquitetura do atelier Aires Mateus, que criou um oásis com cerca de 600 metros quadrados e vista privilegiada para Lisboa.
“A casa é tão abstrata que não parece real. As pessoas olham para as fotos e acham que são renders”, começa por explicar à NiT o arquiteto, Manuel Aires Mateus. As fachadas seguem uma estética minimalista, mas com “o aspeto de ruína original”, enquanto o interior apresenta espaços luminosos e ladeados por pátios.
Os clientes viviam numa rua paralela, num apartamento remodelado pelo mesmo estúdio. Quando começaram a pensar em construir uma nova residência, descobriram aquele espaço, onde existia um edifício de três pisos. “Percebemos logo que dava uma casa maravilhosa”, acrescenta.
Seguiu-se um ano de negociações com os herdeiros para poderem adquirir não apenas um dos armazéns — como estava previsto inicialmente —, mas os dois. “Esvaziámos completamente as divisões. Não tinham nada lá dentro e construímos uma casa quase independente que se destaca pela espiral.”
Após uma década de trabalhos, os esboços de Manuel Aires Mateus saíram, finalmente, do papel para a realidade. A demora deveu-se, sobretudo, à degradação dos edifícios. “Levou o seu tempo porque a obra ainda esteve parada. Foram cerca de seis a sete anos desde que desenhámos as primeiras projeções”, avança.
“Um farol de luz branca”
A primeira ideia para a casa, onde se destaca o pé-direito duplo, implicava que fosse totalmente pintada de branco. “Queríamos este aspeto limpo, muito precioso, dado o sítio em que está. É uma zona mais industrial e mais dura, então construímos este farol de luz branca num lugar tão improvável.”
Um dos principais objetivos é que os residentes possam circular livremente entre espaços, sobretudo nas zonas onde dormem. Os dois blocos de escadas, que funcionam como peças soltas e escultóricas, ajudam a guiar os habitantes entre o piso térreo às duas aulas onde se formam os quartos.
Na parte de baixo, as zonas mais comprimidas, como a cozinha, a sala de estar ou a sala de jantar, estão dispostas em ambos os lados deste espaço central. O último elemento que montaram, mas que foi “desenhada rapidamente” é uma “uma casinha” na sala que foi colocada para afinar o espaço.
A piscina baleia
O projeto inclui também alguns elementos de design arrojados, como o teto curvo na sala de estar. O telhado dobra-se para formar uma piscina, uma espécie de tanque côncavo que funciona como teto da divisão. Cria-se a “impressão de que laje cedeu ao peso da água”, mais um detalhe que cria esta imagem “quase irreal” e o “ar limpo e precioso”.
Apesar das dificuldades normais, como a proximidade do rio e as estacas, esta foi a parte mais desafiante da casa. Inspirada na fisionomia da baleia-azul, que o arquiteto via nos museus de história natural, a piscina implicou um processo de construção muito cuidado.
“Faz-se de forma reversa à de uma construção naval. Imprimimos os costados de um barco à escala natural, abrimos a forma e enchemos com betão”, explica. “Foi bonito e muito forte na relação com a madeira em que é montada. Depois é que é revestida por material mais nobre.”
A equipa criou ainda jardins estreitos que iluminam todas as áreas. A ideia era que a casa se abrisse para o exterior através dos grandes painéis e das janelas espalhados pelas várias áreas. Além de facilitar a circulação, também é uma forma de tornar o projeto ainda mais fácil de “adaptar às necessidades dos proprietários”.
É através desta fusão de elementos contemporâneos e tradicionais que sabemos que se trata de um projeto Aires Mateus. Como é habitual, realça a capacidade do atelier de transformar armazéns em casas excecionais. E, segundo o arquiteto, pode até “tornar-se uma galeria de arte, um museu ou um centro médico” — quase não há limites.
Carregue na galeria para ver mais imagens da casa. As fotografias são da autoria de Fernando Guerra, que a NiT já entrevistou.