Ricardo Carrajola tem 44 anos, é do Barreiro e já foi jogador da Seleção Nacional de Futebol de Praia. Mas não é por isso que é conhecido na cidade. O seu nome ficou ligado a um fenómeno improvável: surfar ondas criadas por catamarãs no meio do rio Tejo.
O que parecia apenas uma brincadeira entre amigos tornou-se um caso sério — ao ponto de dar origem a um filme premiado, vários artigos internacionais e, mais importante, à Gasoline. A associação, criada em 2013, começou como uma escola de surf alternativa e cresceu para incluir skate, arte urbana e eventos culturais, sempre com um foco comunitário e gratuito.
O percurso de Ricardo começou na área da mecânica industrial, área na qual se formou. “Sempre gostei de arranjar tudo o que houvesse para consertar. Depois, no secundário, inscrevi-me num curso profissional de três anos promovido pela Auto Europa. Consegui equivalência ao 12.º ano, com componente técnica incluída”, conta.
Depois de terminar a formação, começou a trabalhar na Siderurgia Nacional, na área da manutenção, até ser convidado a integrar a Seleção Nacional de Futebol de Praia. “Deixei o trabalho e fui jogar à bola. Foi muito bom viver aquele sonho de seguir o caminho do futebol”. Do sonho, passou às conquistas. “Fiz parte da primeira equipa de Portugal no Campeonato de Elite, na Figueira da Foz. Tenho a medalha em casa”.
Ricardo recebia um salário como jogador profissional, mas o sonho durou pouco tempo. “Em termos económicos, a Seleção de Futebol de Praia não funcionava como nos dias de hoje. Era patrocinado pela antiga TMN e, na altura, o responsável pela equipa acabou por sair para o Brasil e a Seleção ficou um pouco perdida”.
À procura de estabilidade, Ricardo entrou para a Câmara Municipal do Barreiro (CMB), onde ainda hoje trabalha: “Morava sozinho com a minha mãe e acabou por surgir esta oportunidade. Fui trabalhar para a manutenção das piscinas municipais, onde fiquei cerca de 16 anos. Atualmente, faço parte do gabinete da Juventude”.
Do surf nas ondas do Tejo à Gasoline
Paralelamente, sempre praticou surf, uma paixão que mantém desde 1996, e que foi o ponto de partida para a criação da Gasoline. “É um projeto pessoal que surgiu numa altura em que, juntamente com alguns amigos, começámos a surfar as ondas dos barcos no rio Tejo, quando foram substituídos pelos catamarãs”.
Anos mais tarde, o fenómeno gerou curiosidade quando foi divulgado num artigo na revista Surf Portugal. “Impulsionou muito o projeto. As pessoas descobriram que surfávamos as ondas dos catamarãs e que a zona tinha boas ondas, o que contribuiu para o sucesso”.
A visibilidade abriu portas para colaborações com festivais de filmes de surf, como o SAL – Surf at Lisbon. “Eles viram o artigo na revista e quiseram vir cá com uma equipa para gravar um clipe que seria a imagem do Festival, que iria decorrer no Cinema São Jorge”, explica. Com uma ideia diferente em mente, Ricardo rejeitou a proposta.
“Na altura, disse-lhes que já estava a gravar um filme para concorrer ao Festival. Era mentira, mas acabámos mesmo por criar um filme, concorremos e ganhámos o prémio de melhor produção nacional”. Foi durante essas filmagens que nasceu a ideia da associação. “Um grupo de jovens perguntou-me se podiam experimentar e foi aí que pensei ‘porque é que eu não abro uma escola de surf?’. E assim foi.
A Câmara apoiou o projeto da Gasoline, cedendo um dos moinhos, que funcionaria como sede da escola. No entanto, a impossibilidade de estabelecer um protocolo individual levou à criação da Gasoline – Associação Cultural e Desportiva.
Fundada em 2013, dedica-se ao surf, ao skate e à promoção de eventos culturais. “Ando de skate desde miúdo e juntei-me a dois amigos que ficaram encarregues dessa vertente, enquanto me dedicava ao surf”. Já os eventos culturais são “para todos os gostos”. O nome da associação surgiu de uma brincadeira. “No surf, temos a mania de apelidar as ondas. Gasoline vem do cheiro a gás deixado pelo óleo dos barcos, e da ‘line’, que é a linha perfeita da onda”.
A associação é aberta à comunidade: “É um projeto social, os associados pagam apenas 1€ por mês”. Além de promover o convívio e a prática das modalidades, a Gasoline integra-se em programas escolares: “O surf está introduzido nos programas das escolas do concelho, como o Agrupamento de Escolas Augusto Cabrita há muitos anos. Temos um protocolo com o agrupamento, que faz parte do curso profissional de desporto. É um dos módulos do curso.”
As atividades são gratuitas e sem limites de idades, exceto em situações específicas. “Todas as aulas de surf são gratuitas, a não ser nos casos em que alguém queira fazer uma festa de aniversário. Nessas situações, cobramos um valor simbólico”. A Associação também promove aulas regulares de skate. “Temos uma aula gratuita, que se realiza no quarto sábado de cada mês, no Skate Park do Parque da Cidade”.
Esse skate park foi, aliás, uma das grandes conquistas do projeto: “Fomos nós que o construímos, numa primeira fase, no âmbito de um projeto Do It Yourself, que contou com uma verba dada por um atleta da Red Bull, o Tayran Costa”.
12 anos após a abertura da Gasoline, e depois de artigos para marcas como Vans, EDP e TAP, Ricardo acredita que o interesse na Associação tem vindo a crescer. “Se eu pudesse dedicar-me a isto a 100 por cento, seria ainda melhor”.
Carregue na galeria e veja algumas imagens da Gasoline ACD.