Em 1970, Salvador Allende disse que “a história sem som não é história, e o som sem vozes não é memória”. Meio século depois, a Cooperativa Mula parte dessa ideia para lançar o ciclo de cinema “O que pode a música”, uma viagem cinematográfica pelas formas como o som, a canção e a palavra cantada moldaram lutas, revoluções e consciências, aqui dentro de casa e mundo fora.
Nesta terça-feira, 14 de outubro, às 21 horas, a Mula abre as portas, ainda que apenas para quem delas já faz parte, com “Himno”, de Martín Farías. O documentário chileno, de 2023, revisita a canção “El pueblo unido jamás será vencido”, composta há 50 anos, e segue o percurso dessa melodia pelas ruas, rádios e lutas de vários países. Farías constrói uma narrativa feita de imagens de arquivo inéditas, registos sonoros e testemunhos de músicos e musicistas do Chile, Portugal, França, Alemanha, Finlândia e Japão.
O resultado é uma viagem emotiva e política sobre o poder transformador da música e a forma como um hino atravessa geografias e épocas, sem perder a força original.
Dois dias depois, na quinta-feira, 16 de outubro, também às 21 horas, a sessão dupla mergulha na história da canção portuguesa de intervenção. O Arquivo RTP recupera o “1.º Encontro Livre da Canção Popular”, filmado em 1974 no Pavilhão dos Desportos, que juntou cantores e compositores de várias sensibilidades políticas num evento promovido pelo Círculo de Cultura Teatral.
Segue-se “25 Canções de Abril”, assinado por Luís Gaspar em 1977, evocando o espetáculo homónimo do Coliseu do Porto com Adriano Correia de Oliveira, José Carlos Ary dos Santos e Carlos Paredes.
Digitalizado pela Cinemateca Portuguesa no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, o filme mantém vivo o pulsar de um tempo em que a canção era bandeira, manifesto e testemunho.
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O novo ciclo de cinema começou a 7 de outubro com “Soundtrack to a Coup d’État”, de Johan Grimonprez, que explorava o papel do jazz e do soft power na Guerra Fria e segue, nas semanas seguintes, com uma viagem pelas linguagens da resistência.
No dia 21, “The Day the Country Died – A History of Anarcho Punk 1980-1984”, de Roy Wallace, é antecedido por uma seleção de vídeos do projeto de cultura visual “Negativland”. A 23, o foco muda para o rap português com “O Rap é uma Arma”, de Kiluanje Liberdade, e “Nu-Bai – O Rap Negro de Lisboa”, de Otávio Raposo.
O encerramento, a 28 de outubro, faz-se com “Este Videoclipe Mata Fascistas”, antologia de vídeos de música de 1960 a 2025. Cada sessão é uma oportunidade para ouvir o som da resistência e pensar o que significa dar-lhe espaço, contexto e corpo.
A iniciativa conta com apoios públicos da Câmara Municipal de Lisboa, Cultura, Juventude e Desporto, da CCDR LVT, do Arquivo Municipal de Lisboa e da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema, através do programa Next Generation EU. O apoio institucional assegura a preservação e circulação de obras fundamentais num ciclo que reflete, com precisão e delicadeza, sobre como a resistência precisa da palavra e do som que a transporta.
Até ao fim do mês, todas as terças e quintas, a cantiga é uma arma no Largo de Santo André. Anunciado com entrada livre, o ciclo reserva-se aos membros da comunidade associada da cooperativa. A aparente contradição mostra que a liberdade ganha forma no contexto que a enquadra, e a cultura ergue-se, também, a partir das estruturas que a tornam possível.

LET'S ROCK






