No próximo sábado, dia 11 de outubro, o Barreiro volta a acender as luzes do seu antigo quartel de bombeiros para receber mais de uma centena de artistas, músicos e performers.
Durante 13 horas, entre as 16 horas e as 5 da manhã, o edifício da ADAO — Associação de Desenvolvimento das Artes e Ofícios — transforma-se num organismo vivo: paredes que respiram som, vídeo, cor, movimento e, essencialmente, a porta aberta das dezenas de ateliers que, durante o ano, preparam o evento. É o Open Day 13.0, a celebração anual que tornou esta associação num dos centros culturais independentes mais vibrantes do país.
Criada em 2012 por um grupo de artistas e técnicos locais, a ADAO nasceu da vontade de reabilitar um espaço abandonado e devolvê-lo à cidade como lugar de criação e experimentação. O antigo quartel da Rua da Recosta, no Barreiro, já não abriga sirenes nem mangueiras, mas continua a ser uma casa de urgências — as da imaginação, da expressão e do encontro.
Desde então, o edifício de linhas industriais e paredes descascadas tornou-se um laboratório artístico em permanente mutação, acolhendo exposições, residências, concertos e oficinas, sempre com a mesma filosofia: abrir portas e deixar entrar o que vem de fora, sem filtros, nem hierarquias.
Oito anos, 13 edições
O Open Day consolidou-se como o momento mais emblemático dessa filosofia. Este ano, mais de 50 artistas visuais e 30 projetos musicais ocupam os vários pisos do edifício, num programa que atravessa pintura, performance, escultura, vídeo, instalação e música experimental.
Os nomes são muitos e variados — de criadores emergentes a residentes históricos, entre eles Ana Água, Liz Caires, André Neves, Bárbara Magessi, Margarida Albuquerque, Tiago Paço, Wel Medeiros e Guy Danieli —, e todos convergem num mesmo gesto: abrir o espaço e partilhar o processo.
A programação musical conta com uma variedade de nomes e projetos que garantem ritmo e diversidade durante todo o evento. Entre os artistas confirmados estão 365 everydays, A canalha, All things dub, Baixaria, Denis graeff, Diadorim, Disko mondo, Dj artes, Dj paisagem, Escárnio, Garcia da selva, Huesos del niño, Josefina, Lindu mona, Moho, Nobre, Objecto quase, Piriqutosmuitos, Rock n’ bingo (lolilrockers djs), Sandra snares, Sardinhas com bigodes, Tónica raver, Tresa, Turbo jóia e Zé dos ofícios.
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Mais do que uma celebração anual, o Open Day é um retrato vivo do que a ADAO faz, bem como a rede de colaborações, que se estende para além das fronteiras do Barreiro, e que envolve artistas de todo o país e de fora dele.
O evento é preparado durante meses, mas mantém o espírito espontâneo e caseiro que o distingue. “O Open Day é o dia em que o que foi feito durante o ano sai dos ateliers e ganha contacto com o público”, explica um dos fundadores. “É um espelho do que somos — uma associação que vive do coletivo e da vontade de continuar.”
Essa vontade tem resistido a tudo: à falta de financiamento, à precariedade dos espaços culturais e à distância simbólica que ainda separa as margens do Tejo. No entanto, é precisamente nesse lugar de fronteira que a ADAO encontrou o seu sentido.
Situada num concelho que durante décadas viveu entre a memória industrial e a promessa da regeneração urbana, a associação foi um dos primeiros projetos independentes a afirmar que o Barreiro podia ser um polo criativo e não apenas um dormitório de Lisboa.
Um ecossistema criativo em movimento
Hoje, o antigo quartel é mais do que um edifício: é um ecossistema. Pelas suas salas passam artistas residentes, coletivos internacionais, oficinas de cerâmica, laboratórios de som e projetos educativos que aproximam a arte do quotidiano.
Há um café que serve como ponto de encontro, uma galeria improvisada no piso térreo e um palco onde o experimental convive com o improviso. Tudo é orgânico, transitório, vivo.
Durante o Open Day, esse organismo pulsa em pleno. O público é convidado a circular livremente: pelas salas onde se pintam murais, pelos estúdios onde se afinam guitarras, pelos corredores onde se improvisam instalações de luz. Há performances ao vivo, projeções, DJ sets e concertos que se estendem madrugada fora.
Nada é programado ao milímetro. Cada artista ocupa o espaço à sua maneira, e essa liberdade é o que confere ao evento a sua identidade. O visitante nunca sabe exatamente o que vai encontrar, e é esse o encanto.
Mas o Open Day também é um momento de reencontro. De antigos residentes que regressam, de vizinhos que descobrem pela primeira vez o que se faz dentro daquele prédio, de quem passa por curiosidade e acaba por ficar. Em cada edição há algo de ritual, como se a cidade se reconhecesse ali — num espaço de partilha, de experimentação e de comunhão.
O pulso da cidade
Nos bastidores, o trabalho é intenso e quase invisível. A ADAO funciona sem fins lucrativos, de forma independente, com o apoio da comunidade e a colaboração de quem acredita no projeto. Há quem ajude a montar as exposições, quem trate da luz e do som, quem cozinhe para todos.
Essa auto-gestão colaborativa tornou-se o motor da associação e a prova de que a cultura pode existir fora dos circuitos institucionais, desde que haja vontade e envolvimento.
Essa ideia atravessa toda a história do espaço — um projeto que cresceu devagar, mas com raízes fundas, e que ajudou a redefinir o papel da arte na vida coletiva do Barreiro. O impacto vai além do campo artístico. A presença da ADAO tem contribuído para a requalificação simbólica do centro urbano, atraindo novos públicos e mostrando que o património industrial pode ser reaproveitado com imaginação.
Onde antes havia abandono, hoje há movimento, som e cor. O antigo quartel é agora um ponto de passagem obrigatória para quem quer conhecer uma das faces mais criativas da cidade.
Na madrugada de 12 de outubro, quando as portas se fecharem e o edifício regressar ao silêncio, ficarão as marcas de mais uma edição com pinceladas nas paredes, sons em eco, memórias e encontros. Na manhã seguinte, recomeça tudo outra vez. Até porque quintas e domingos há cinema, a meio do mês Tukina Festival e, nos entretantos, outros concertos e exposições.
Se ainda não conhece a ADAO, carregue na galeria e veja algumas imagens de um dos Open Day da Associação do Barreiro, realizado no ano passado.

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