Entrar num mercado municipal é uma verdadeira experiência sensorial. Os aromas, as várias cores das frutas e dos legumes e as muitas vozes que se fazem ouvir mas nem sempre entender são, à partida, garantidos, a menos que o espaço esteja vazio ou perto disso. E, neste caso, estava mesmo.
O silêncio e o quase inexistente movimento do Mercado Municipal 1.º de Maio, no Barreiro, combinavam na perfeição com a forte chuva que se fazia sentir naquela tarde. Quando a NiB se aproximou da banca de Ana Maria Campos, 59 anos, a proprietária da Doces da Anocas conversava com uma cliente. A lágrima, tão fácil quanto o sorriso, revelava que aquele espaço tinha muito mais para contar, além dos apetitosos bolos e outros doces.
“Sou natural de Lisboa e foi lá que vivi a maior parte da minha vida. Há cerca de 12 anos, mudei-me para o Barreiro e hoje, perto dos 60, posso dizer que foi aqui que conquistei o meu sonho mais antigo: ter um espaço próprio onde pudesse partilhar os bolos que faço com amor e dedicação. Foi o Barreiro que me acolheu”, conta, emocionada.
Apesar de ter acabado por se render à cidade, Ana Maria confessa que, antigamente, não era “muito fã” do Barreiro. Porém, o amor acabou por falar mais alto. “Conheci um barreirense que me trouxe para cá. Quando cheguei, não gostava disto, as pessoas pareciam-me muito tristes. A certa altura comecei a descobrir e explorar as ruas e o meu marido levou-me a uma das praias. Gostei tanto que até hoje não me esqueço desse dia”.
O episódio na praia e as histórias da infância feliz do companheiro barreirense, “diferentes das memórias da vida na cidade” que Ana guarda, fizeram com que começasse a gostar cada vez mais do concelho e dos barreirenses, que, ainda assim, “pareciam tristes” aos seus olhos.
A pensar nisso, a proprietária da banca, encontrou uma “solução”. “Se as pessoas que vêm de fora transmitirem um pouco de mimo, mesmo através de pequenos gestos, somos todos mais felizes. Estas pétalas que está a ver aqui na banca são-me oferecidas por uma colega do mercado, quando as rosas se partem. Eu costumo pegar nelas, colocá-las dentro de uma caixinha e oferecê-las aos clientes, juntamente com uma mensagem: ‘aqui dentro vão os ingredientes principais, muito amor e carinho”.

Atualmente, a Doces da Anocas é bastante conhecida no Mercado Municipal 1.º de Maio, mas o caminho para o sonho começou noutra banca. “Num dos dias em que visitei o Mercado, reparei num espaço diferente dos outros, o Vinus Rarus. Como já sabia que eles tinham um conceito engraçado, decidi entrar e beber um copo de vinho, acompanhado por um queijinho. Entretanto, acabei por perguntar se precisavam de bolos, para servir juntamente com as bebidas e comecei a entregar encomendas semanalmente”, explica.
Ainda a trabalhar em parceria com a Vinus Rarus, Ana Maria descobriu, em maio de 2023, que estava a decorrer um leilão pelas bancas disponíveis e decidiu arriscar. A escolha da banca “certa” foi praticamente automática. “Estavam todas vagas mas queria mesmo esta. Foi uma sensação, não sei explicar. Sou muito emotiva”.
Garantido o espaço, a Doces da Anocas abriu ao público para vender os bolos confecionados por Ana Maria. “Comecei a fazê-los quando ainda era muito pequenina, por gosto. Tenho uma caixa onde guardo as receitas da minha tia-avó, que eu acabava por reescrever à minha maneira. Ainda hoje, algumas clientes com uma certa idade passam por aqui e deixam-me receitas antigas, que eu depois faço. É uma grande responsabilidade”.
Entre o menu de brunch e os salames, bascas, bolos de bolacha e brigadeiros que Ana Maria vende na banca, o destaque vai para a “famosa torta do mercado”, que surgiu por acaso. “Eu tinha o privilégio de vender tortas de Azeitão, diretamente da vila, mas, num certo dia, o fornecedor falhou a entrega e fiquei sem poder entregar a encomenda à cliente. Na altura, disse-lhe que não sabia fazer tortas de Azeitão, mas que tinha uma receita própria, que não me importava de fazer, caso a cliente quisesse esperar. E assim foi”.
Daí em diante, a torta de Ana Maria, com “sabor fofinho”, foi requisitada para uma prova de vinhos da Vinus Rarus, fez parte de um filme gravado no Barreiro e ainda foi aprovada pelo apresentador de televisão, Nuno Eiró, que visitou a banca.
O negócio de Ana também tem sido “bastante requisitado”. Prova disso são as passagens da “Anocas” por programas televisivos como o “Dois As 10” e o “Somos Portugal”, ambos na TVI.
Tal como o doce, Ana Maria já faz, também, parte do Mercado. “Adoro estas senhoras, todas elas são minhas amigas e eu sinto-me uma autêntica miúda de 60 anos. Em relação Barreiro, o sentimento é o mesmo. “Parece que nasci aqui”.
Carregue na galeria e veja algumas imagens daquilo que pode encontrar na Doces da Anocas.