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Banda D’Além: vinhos feitos como antigamente que contam a história do Barreiro

A NiB descobriu todos os pormenores numa conversa com Teresa Canas Martins na Quinta da Estalagem, em Palhais.
Distinguem-se pelo método de produção.

Os caminhos de Teresa Canas Martins, de 61 anos, e Adelino Martins cruzaram-se em Lisboa, nos tempos de estudantes. Mais tarde, formaram-se em Psicologia e Engenharia, respetivamente, tiveram dois filhos e acabaram por se mudar para o Barreiro, onde começaram uma nova etapa.

“Foi há 20 anos, quando os rapazes ainda eram pequenos”, conta Teresa à NiB. “Costumamos dizer que nos mudámos para o campo. É perto da cidade, mas não deixa de ser o campo.”

O local escolhido para a mudança — a Quinta da Estalagem … não foi por acaso. “O avô do meu marido era da zona e o pai nasceu em Palhais. A propriedade, que sempre pertenceu à família, estava desabitada, e os meus sogros só cá vinham de vez em quando. Esse foi um dos motivos pelos quais decidimos mudar-nos.”

Já instalados na quinta, Teresa e Adelino quiseram viver a experiência ao máximo e adotaram vários animais, desde vacas até cães e cabras. Entretanto, começaram a organizar as “Festas na Quinta”, não só para se manterem ocupados, mas também pela falta de espaços para realizar festas de aniversário para miúdos na região. Mas não ficaram por aí.

“Começámos a ‘mexer na terra’, que estava pouco dinamizada na altura, e fizemos também as infraestruturas da urbanização Casas de Santo António e o centro de escritórios”, explica Teresa.

Pouco depois, identificaram outra lacuna, desta vez, na tradição vitivinícola. “Reparámos que o símbolo do Barreiro tinha uvas, um cacho, mas onde é que estavam as uvas? Toda a gente falava no Bastardinho do Lavradio, mas não estava em lado nenhum. Então, começámos a interessar-nos por essa área e decidimos plantar uma vinha.”

Após alguma pesquisa histórica, descobriram que, antigamente, a região estava repleta de vinhas, uma tradição que se perdeu com o crescimento industrial e com o desenvolvimento da CUF. “Fazia-se muito vinho aqui. O Bastardinho do Lavradio, por exemplo, era um sucesso, e chegou mesmo a ser exportado para Inglaterra.”

Entusiasmados com a viagem ao passado, em 2017, decidiram plantar a primeira vinha, e, em 2022, foram contactados pelo professor Virgílio Loureiro, que se tornou o mentor e “a alma do projeto”. “Ficou entusiasmado com o facto de querermos trazer de volta o Bastardinho, então tem sido um ‘esgravatar na história’ para recuperar não só esse, mas também outros vinhos que foram consumidos aqui.”

Toda a produção é feita na Quinta da Estalagem.

Além da tradição vinícola, Teresa destaca a importância histórica da região. “O Barreiro está cheio de história e os barreirenses conhecem muito pouco daquilo que aconteceu na região. É neste rio que se encontra a maior concentração de moinhos de maré do mundo. Nós estamos ligados aos Descobrimentos, e o Bastardinho também faz parte dessa época, tal como a fábrica do biscoito dos fuzileiros. Exatamente por isso, até recriámos um biscoito semelhante àquele que seguia nas caravelas para os Descobrimentos, para molhar no Bastardinho.”

De forma a “recuperar e valorizar a tradição vitivinícola do Barreiro”, a dupla tem recriado alguns vinhos históricos. A primeiro a ser lançado pela Banda D’Além — nome dado ao projeto, baseado na expressão antigamente utilizada para fazer referência à Margem Sul — chama-se Capelinhos e foi inspirado na história da adega, que se acredita ter sido criada no século XVII.

“É uma homenagem aos vinhos que se bebiam nessa época. Fizemos um branco de curtimenta, que é de 2022, mas foi lançado em 2023. É um vinho branco que não tem nada a ver com os produzidos hoje em dia, ou seja, apesar de ser branco, é feito como os tintos, como se fazia na altura.”

Recriaram também três vinhos romanos — o Equabona, o Via XII e o Pote de Barro — atualmente com certificação da plataforma Lisboa Romana, vinificados em potes de barro, seguindo os métodos da época. “Tivemos ajuda do professor Carlos Fabião, especialista na área, com quem concluímos que o Porto de Coina era uma espécie de porto de abrigo para os romanos, fazendo a ligação marítima à atual Mérida. Estes vinhos são ligeiramente diferentes dos produzidos no Alentejo, pois os romanos faziam a ligação entre a bebida e o medicamento. Por isso, os vinhos eram aromatizados.”

Mais tarde, a Banda D’Além desenvolveu um vinho medieval, o Espatário. “Os espatários eram cavaleiros da Ordem de Santiago, que dominou esta zona na Idade Média. Criámos um clarete medieval, a que chamamos rosete. É um rosado da Idade Média, feito como se fazia na época, com 80 por cento de vinho branco e 20 por cento de tinto.”

Outro dos destaques do projeto é o Castelão, muito consumido pelos antigos operários da CUF. “Esta criação é uma homenagem a todas as vinhas que existiram e que desapareceram aqui do Barreiro.”

Com seis vinhos que “contam pedaços da história da região”, a grande expectativa para o futuro centra-se no Bastardinho do Lavradio, considerado o “ex-líbris da Banda D’Além”. “Esse vinho foi, na realidade, o motor do projeto. É um vinho que remonta aos séculos XIII, XIV, mas é um licoroso e demora, pelo menos, cinco anos a estar pronto para consumo. Apesar de acharmos que já está muito bom.”

O futuro bastardinho do Lavradio.

 

Os preços dos vinhos variam entre os 9,50€ e os 24€, sem contar com o Bastardinho, que ainda está em fase de desenvolvimento. Atualmente, o casal também investe no enoturismo e dinamiza provas de vinhos. Custam entre os 10€ e os 22€, e incluem uma explicação sobre os vinhos.

“Temos o pacote adega, com três vinhos e umas bolachinhas. Depois, o pacote vinha, com quatro vinhos, visita às adegas e às vinhas. Por fim, o pacote história, com visita às vinhas e aos fornos de cal, com mais de 100 anos, e prova dos seis vinhos.”

Apesar de residirem na Quinta, Teresa e Adelino estão sempre disponíveis para receber interessados em visitar o espaço, que vai além da produção vitivinícola, estando ligado também à cultura. “Quem quiser vir, basta ligar e nós abrimos, mostramos tudo e vendemos os vinhos”, assegura a proprietária.  Se, no início,  era difícil para Teresa revelar que vivia no Barreiro, volvidas duas décadas, hoje já sente a terra como sua.

Carregue na galeria e veja algumas imagens da Quinta da Estalagem e do projeto Banda D’Além.

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